#2 O Messias da Mulher Samaritana e o Salvador & Rei Vindouro de A.B. Simpson



A mulher lhe disse:
“Eu sei que o Messias está vindo (aquele que é chamado Cristo).
Quando ele vier, nos explicará todas as coisas.”
— João 4:25






A distinção esquecida entre Moshiach e Mashiach

Poucos percebem a diferença entre as duas palavras hebraicas que deram origem às nossas traduções Messias e Cristo:

1. Mashiach (מָשִׁיחַ) – “O Ungido”, o rei legítimo da linhagem de Davi, escolhido por Deus para governar com justiça e paz.

2. Moshiach (מוֹשִׁיעַ) – “O Salvador” ou “O Libertador”, aquele que traz redenção, restaura a verdade e conduz o povo de volta a Deus.

Compreender essa distinção pode nos ajudar a entender melhor a escatologia — o modo como Deus cumpre sua promessa no tempo e na história.

A referência da mulher samaritana a Moshiach em João 4:25 oferece uma chave exegética preciosa, revelando não apenas as expectativas messiânicas do primeiro século, mas também os caminhos teológicos que se abriram depois.

Os samaritanos, que se limitavam à Torá e rejeitavam a dinastia davídica, aguardavam um Taheb — um restaurador profético, não um rei político. O Moshiach, nesse contexto, era o libertador que traria a verdade divina, não o monarca descendente de Davi. Assim, as esperanças messiânicas baseadas na promessa de Natã a Davi (2 Sm 7) ou nas visões proféticas de Isaías, Jeremias e Ezequiel não faziam parte do seu cânon.


Para um estudo mais aprofundado
Curiosamente, essa expectativa se assemelha muito à forma como o Islã posteriormente compreende ʿĪsā al-Masīḥ (Jesus, o Messias) — não principalmente como um rei davídico, mas como um profeta da verdade, que restaura a religião corrompida e revela a orientação divina.

No entanto, ambos os títulos — Moshiach e Mashiach — ocultam uma verdade mais profunda, preservada dentro do próprio judaísmo e mencionada em suas orações: Yeshua de Nazaré é o Sar HaPanim, o Príncipe da Presença. Ele não é apenas um mediador celestial, mas o próprio esplendor do divino — o Panim El Elyon, o Rosto do Altíssimo manifestado.

Na tradição judaica, o Sar HaPanim habita o Santo dos Santos, levando o Nome inefável e executando o juízo divino. Jesus não apenas porta essa autoridade — Ele é essa Presença. Não aponta para Deus à distância; é Deus que se aproxima.

Por isso, quando se identifica à mulher samaritana como Moshiach, Ele cumpre tanto as expectativas samaritanas quanto as mais profundas expectativas judaicas — não como promessa adiada, mas como revelação presente. Sua realeza não é uma reivindicação futura, mas a manifestação atual do Trono divino entre nós.


O Sar HaPanim  (literalmente, “do Rosto Divino” o Príncipe da Presença,  or Anjo da Presença ) não é uma função;  é a própria divindade.

 E Jesus, ao revelar-se, revela Deus.



O Messias Davídico e o Rei Presente
Diferente dos judeus da Judeia e da Galileia, os samaritanos não esperavam o Mashiach ben David — o Ungido-Rei da casa de Davi — mas sim uma figura que restaurasse o culto verdadeiro e o conhecimento de Deus.

No entanto, a resposta de Jesus em João 4:26, quando Ele se identifica diretamente como Moshiach, indica que Sua missão messiânica não se restringe a uma única expectativa. Essa autodeclaração desafia a suposição de que Sua realeza davídica permanece pendente até a segunda vinda.

Ele já é o Rei dos reis e Senhor dos senhores!


A realização presente do Reino
Na teologia cristã tradicional, costuma-se distinguir entre o Messias ben Yosef, o servo sofredor de Sua primeira vinda, e o Messias ben David, o rei guerreiro de Sua segunda. Contudo, essa divisão começa a ruir diante da leitura do Evangelho de João e da cena samaritana.

Jesus não adiou Sua realeza para um futuro escatológico — Ele a revelou ao entrar em Jerusalém, montado num jumentinho.

Sua entrada triunfal cumpre a promessa davídica de Zacarias 9:9 e inaugura o Reino.


Para estudo mais aprofundado (em inglês):
👉 Why Palm Sunday May Be More Significant Than Thought


O Ramo e os Netzarin
A identificação de Jesus como Netzer (“Renovo”) em Mateus 2:23 o conecta diretamente às profecias messiânicas de Isaías, confirmando Sua legitimidade davídica.

O movimento dos Netzarim — Seus seguidores judeus — não via Sua missão davídica como algo incompleto, mas plenamente realizado, embora de modo que contrariava as expectativas políticas da época.

A esperança de um Mashiach ben David escatológico, que viria guerrear e governar num trono terreno, é uma distorção trágica — um espelho manchado de sangue refletindo o desejo humano de conquista.

As nações beberam fundo do cálice da violência, imaginando que a espada da paz precisaria ser forjada no fogo da guerra.

Mas se a guerra fosse o ventre da paz, o mundo já estaria curado.

Em vez disso, a terra permanece encharcada não do sangue da redenção, mas da repetição.


A ferida que fala
Isaías 63 descreve vestes manchadas de vermelho — não pelo sangue dos inimigos, mas pelo lagar da ira divina, que Deus pisa sozinho.

Nenhum exército cavalga ao Seu lado.
Nenhuma mão mortal compartilha o fardo.

Não é o sangue das nações derramado em batalha — é o sangue do orgulho, da vingança, das ilusões da história sendo esmagadas sob os pés de Deus.

O Apocalipse 19 mostra o Cavaleiro sobre o cavalo branco — sim, com uma espada — mas não uma espada sacada do coldre.

É uma espada que sai de Sua boca.
É Palavra, não arma.
É Verdade, não aço.

Seu manto já está tingido de sangue antes da batalha — porque Ele carrega a ferida, não a causa.

O verdadeiro Filho de Davi não vem derramar o sangue de Roma, mas expor a espada já cravada no coração de Israel — e no nosso.

A espada separa alma e espírito, julgando intenções e pensamentos (Hebreus 4:12).
Não é uma arma geopolítica, mas um juízo de aliança.

A paz não virá pela espada dos homens.
Ela virá pela ferida de Deus.

E essa ferida ainda fala — porque somos o Seu corpo, e é isso que o Apocalipse nos encoraja a ser.

O Reino Já Inaugurado e a Visão de Simpson
Se a expectativa de um Mashiach ben David é reduzida a um futuro conquistador geopolítico, sempre haverá outro inimigo, outra guerra, outra justificativa para a violência.

Mas foi justamente isso que Jesus rejeitou.
Seu Reino não é deste mundo (João 18:36).
Sua realeza não perpetua o ciclo de conquista — ela o subverte.


O verdadeiro juízo
Há, sim, um juízo — verdadeiro e justo.

A separação das ovelhas e dos bodes (Mateus 25:31–46) é uma linha divisória real, mas não é étnica nem nacional.

É uma distinção de aliança e fidelidade à verdade divina.

A guerra que se trava não é “contra carne e sangue”, mas contra principados e potestades (Efésios 6:12).

O retorno do Messias como Moshiach não é para destruir, mas para revelar o que já é:
o homem, em sua rebeldia, produz destruição;
Deus, em Sua misericórdia, oferece libertação.

A história humana já mostra esse padrão: as maquinações violentas das nações resultam em autodestruição.

Gogue se levanta — não porque Deus deseje guerra sem fim, mas porque o homem a escolhe.


O reconhecimento da mulher samaritana
Por isso, a confissão da mulher samaritana é tão importante.
Ela reconhece o Messias como Moshiach, não como Mashiach.
Ela não esperava um conquistador davídico, mas um Salvador.
E Jesus não corrige sua expectativa — Ele a cumpre.
Mas o faz de modo a incluir também a promessa davídica.

Ele é ambos:
Mashiach, o Rei Ungido, e
Moshiach, o Redentor Salvador.

O erro está em pensar que esses dois papéis sejam separados ou que um precise ser adiado para o futuro.

Seu retorno não é para tornar-se Rei, mas para consumar o que já foi inaugurado. Não se trata de uma realeza passiva, à espera de validação, mas de um reinado ativo, já presente e vitorioso.

O desafio não é aguardar o cumprimento davídico, mas reconhecê-lo agora.


A visão de A.B. Simpson
O fundador da Aliança Cristã e Missionária (C&MA), A.B. Simpson, articulou claramente essa verdade em seu Evangelho Quádruplo (Fourfold Gospel ).

Ele distinguia entre Cristo como Salvador e como Rei Vindouro — mas essa distinção não separava Sua obra redentora de Seu ofício real.

Pelo contrário, enfatizava o caráter progressivo e revelador do Reino.

Simpson via Jesus como o Salvador presente e pessoal, que nos liberta agora, e também como o Rei que virá, para consumar o Reino já inaugurado.

Essa estrutura se harmoniza profundamente com a visão judaica mais antiga, em que Moshiach é tanto Redentor quanto Mashiach — o Rei reinante — não em duas pessoas ou fases distintas, mas como cumprimento unificado do propósito divino.

O equívoco não está em distinguir os papéis, mas em adiar temporalmente a realeza,
como se Jesus ainda não estivesse entronizado.


O Rei já entronizado
A visão de Simpson nunca foi de um Messias à espera dos bastidores, mas de um Rei já coroado, cujo retorno apenas manifestará o que sempre foi verdade.

Jesus não voltará para tornar-se Rei — Ele voltará como o Sar HaPanim, o Príncipe da Presença, a própria radiância da glória divina, o Juiz que já está assentado no trono. Seu reinado não está adiado —está sendo resistido.

E Simpson, em seu impulso escatológico mais profundo, entendeu isso: o que o mundo mais precisa não é de um conquistador futuro, mas de reconhecer que O REI JÁ REINA, e está chamando Seu povo para se curvar agora.

Conclusão: O Rei Que Já Reina
A revelação dada à mulher samaritana em João 4 é uma chave para toda a teologia messiânica.

Jesus não apenas responde à sua expectativa — Ele a amplia. Ao declarar-se Moshiach, Ele une as duas dimensões do Messias:

o Rei Ungido (Mashiach) e o Redentor Salvador (Moshiach).

Naquele encontro, as fronteiras teológicas se dissolvem:
O judaísmo esperava o Ungido de Davi.
Os samaritanos aguardavam o Restaurador da Verdade.
As nações buscavam o Redentor universal.

Em Cristo, tudo isso se encontra — não em eras separadas, mas na plenitude de um único ato divino.

A escatologia, portanto, não é a espera por um evento distante, mas o desvelar do que já é real no céu e se manifesta na terra. Jesus reina agora.

Seu Reino é invisível apenas para quem resiste à Sua Presença. O chamado não é “esperar que Ele reine”, mas viver sob Seu reinado hoje.

A verdadeira esperança não é adiada, é participada — no Espírito, na missão e na comunhão com o Rei.

Assim, o testemunho de A.B. Simpson ecoa o mesmo evangelho revelado à mulher samaritana:

O Salvador presente é o Rei vindouro.
E o Rei vindouro já é o Salvador presente.

Cristo não voltará para conquistar, mas para manifestar plenamente a realeza que já exerce, como o Sar HaPanim, o Rosto do Altíssimo, aquele cuja ferida cura o mundo e cuja glória habita entre nós.


Leituras para estudo mais aprofundado (em inglês)
📘 John MacDonald, The Theology of the Samaritans (1964) – descreve a expectativa samaritana do Taheb, o restaurador profético.
📘 Reinhard Pummer, The Samaritans: A Profile (2016) – excelente panorama sobre as crenças messiânicas samaritanas.
📘 James D.G. Dunn, Jesus Remembered (2003), pp. 747–750 – explica como a expectativa samaritana difere do messianismo judeano.


✨ Resumo Final
O Messias da mulher samaritana não é um rei adiado,
mas o Deus presente.
Ele é o Moshiach que salva,
o Mashiach que reina,
e o Sar HaPanim que habita conosco — agora e para sempre.