Eckhart via o ser humano como nada em si mesmo, mas chamado a participar do próprio Ser de Deus. Essa visão mística não era fuga do mundo, mas uma transformação interior que unia contemplação e ação — Maria e Marta — em uma única vida diante de Deus. Para ele, o homem justo vive na presença divina continuamente, pois Deus é o Ser, e toda a criação existe porque “Deus está nela”.
Foi por meio desse canal — Eckhart → Tersteegen → Guyon — que as ideias da presença contínua de Deus e da vida interior rendida chegaram ao mundo evangélico moderno. Contudo, A.B. Simpson, fundador da Aliança Cristã e Missionária, recebeu essa herança através de um olhar reformado e bíblico.
Tanto Simpson quanto Tozer não separaram contemplação e ação. Como Eckhart, viam Maria e Marta não como opostos, mas como expressões de uma única vida centrada em Cristo. A adoração leva ao serviço; a interioridade gera missão. Para eles, a vida santificada é Cristo vivendo no crente — “Cristo em vós, a esperança da glória”.
Desse modo, o fio espiritual que passa por Eckhart, Tersteegen, Guyon, Marshall, Simpson e Tozer mostra a continuidade de um mesmo chamado: viver no abandono confiante, na presença constante, e na união prática com Cristo. Essa é a verdadeira vida mais profunda — não uma experiência emocional ou isolada, mas a realidade contínua de Deus habitando em nós e nos movendo em amor.
O Evangelho Quádruplo (Fourfold Gospel) serve como meio de motivar o movimento da C&MA. Nele, o Credo dos Apóstolos se entrelaça com a Grande Comissão, a Ascensão e Pentecostes: “Subiu ao céu, está assentado à direita de Deus Pai Todo-Poderoso. Há de vir para julgar os vivos e os mortos, e o seu Reino não terá fim.”
A Ascensão ratifica o Evangelho Quádruplo; Pentecostes define o seu curso; e o Credo nos recorda a comunidade.
Outra designação antiga, apropriada por Eusébio e ampliada por João Calvino, é o munus triplex — Jesus Cristo: Profeta, Sacerdote e Rei — que serve ao ἅπαξ (“uma vez por todas”) e talvez cure nosso individualismo errôneo. Além disso, o Tríplice Ofício não é uma cristologia, assim como o merismo do Evangelho Quádruplo de Simpson afirma: Jesus é o evangelho, cumprindo os ofícios do Antigo Testamento como o Ungido de Israel. (Bernie Vanderwalde)
O Evangelho Quádruplo aponta, portanto, para uma teologia da prática encarnacional, com propósito e futuro ainda em realização. Proponho que o Evangelho Quádruplo de Simpson permite que o Espírito se mova — como nenhum outro — sobre a teologia filosófica, talvez desenvolvendo-se a partir do uso triplo na escatologia de A.T. Pierson, situando esta era entre o papel sacerdotal e régio de Cristo, mas sem absolutizá-los, pois tais ofícios são eternos. Simpson agiu para essa era do Espírito Santo, entendendo a encarnação como o historicismo supremo, onde o Filho eterno encarnado agora está à direita do Pai, tendo prometido “alguém melhor”. Assim, “Creio no Espírito Santo” fala da terceira pessoa da Trindade, revelando Cristo como Salvador, Santificador, Curador e Senhor que virá, ensinando-nos justiça agora e preparando-nos para a realidade consumada quando Ele reinar na terra — e nós com Ele.
Em conclusão, o Catolicismo Romano representa a legitimidade de sofisticadas sínteses entre razão e fé, natureza e graça, secular e sagrado — mas tal síntese distorce as distinções da encarnação ao atualizar seu sacramentalismo dentro da suposta evolução humana e do progresso percebido. Por isso, um historicismo escatológico atento compreende eventos sociais e erros teológicos identificando empiricamente a proclamação, a obscuridade e a distorção do evangelho dentro de contextos prescritivos em nome da religião — mas que não descrevem o Cristo das Escrituras. A história da Igreja aponta para os primeiros cinco séculos como o período que mais articulou uma Cristologia centrada no humano e não apenas no divino. A Soteriologia, com um percurso mais longo desde a Reforma até hoje, continua sua formulação evasiva — a menos que seja toda sobre Jesus e o indivíduo, sem se desligar da comunidade da aliança. Tais problemas persistem na tradição ocidental.
E quanto à antiga fé e à boa prática eclesiástica? Descrições que exaltam Cristo permeiam toda a tradição cristã — sim. Mas olhemos ao redor e deixemos o avanço global do evangelho falar.
No final de Old Faith, A.B. Simpson escreveu: “Falemos a eles de Calvário e do sangue purificador, e isso será tão poderoso quanto quando o velho chefe da Groenlândia ouviu o missionário parar de pregar filosofia e contar-lhes a história do amor redentor. Falemos de um Cristo vivo, do Espírito Santo e do milagre da conversão — e o Espírito Santo tornará isso verdadeiro nos corações dos ouvintes. Falemos da vinda pessoal do Senhor Jesus, e seus corações responderão à mensagem divina e se curvarão ao Rei dos reis e Senhor dos senhores. Amados, os fundamentos estão sendo destruídos. Que farão os justos? Corram às brechas; tornem-se reparadores de brechas, restauradores de veredas para habitar. Permaneçam nos caminhos antigos, no bom caminho. Sejam os sábios construtores cujo trabalho permanecerá quando a madeira, o feno e a palha de todo o nosso modernismo se desintegrarem nas chamas de um mundo que se dissolve.”
O famoso sermão de Eckhart sobre Maria e Marta descreve a união com Cristo de A. B. Simpson e A. W. Tozer — o ápice que transcende a dicotomia entre o secular e o sagrado, como se vê em The Pursuit of God (A Busca de Deus). A prática contemplativa de Tozer e Simpson ressoa dentro da C&MA pela leitura de fontes católicas.
Mesmo assim, ambos os patriarcas praticaram a presença de Deus por meio da leitura de autores místicos e compreenderam a tensão entre a vita contemplativa e a vita activa. Tomás de Aquino afirma que a vida contemplativa vem primeiro: “Maria escolheu a melhor parte.” Assim fizeram Tozer e Simpson. A vida ativa segue a contemplação.
Contudo, Eckhart reinterpretou essa visita a Betânia em direção à vita activa, mantendo ambas unificadas no eterno agora. Tal posição provocou a mente medieval coletiva e preparou o terreno para o indivíduo moderno — por isso, podemos considerá-lo outro dos “culpados.” O Sermão 86 é uma leitura densa, em que as digressões de Eckhart revelam seu ponto subversivo: só Deus satisfaz o ser humano, tanto no nível sensível quanto no intelectual. Ambos são dons divinos, embora não iguais. No entanto, os prazeres sensuais do conforto, da alegria e da satisfação escapam aos verdadeiros amigos de Deus.
Como a “angustiada” Marta foi chamada à atenção, também nós podemos elevar-nos resolutamente acima de tais respostas emocionais. Entre os altos e baixos da vida, Eckhart quer que seus ouvintes se identifiquem com um dos polos — o sentido ou o intelecto/mente — representados por uma das irmãs, de preferência Marta, vivendo contente em um mundo turbulento. Seja qual for a exigência do momento, através dos sentidos e do intelecto, ela permanece igualmente em casa no círculo da eternidade.
Marta já está lá — vivendo no tempo, encarnada e ativa — ao ver Deus sem necessidade de uma visão de Seu ser ou essência, algo que a tradição católica construiu como a experiência suprema do pós-vida: a visão beatífica. O misticismo racional de Simpson se alinha com isso e talvez já o tenha antecipado; em sua experiência, conhecimento e ação fundem-se com os afetos, brotando da tradição mística paulino-agostiniana. Aqui, a cabeça e a mão funcionam a partir do coração, conectado ao Mestre.
O método interpretativo Batin (esotérico ou oculto) no Judaísmo refere-se às interpretações mais profundas da Torá e de outros textos sagrados, frequentemente associadas à Cabalá e a outras tradições espirituais dentro do Judaísmo. Esse método busca desvendar significados ocultos além do nível superficial da Escritura, conectando o texto a mistérios divinos, verdades cósmicas e ao desenvolvimento espiritual pessoal.
A “Cabalá”, em sua forma atual — especialmente nas tradições luriânica e hassídica — foi moldada por influências históricas e filosóficas que podem não refletir plenamente as compreensões judaicas mais antigas sobre revelação e realidade divina. O próprio termo, que significa “tradição recebida”, sugere uma tentativa de preservar e interpretar percepções teológicas mais profundas; contudo, seus desdobramentos posteriores frequentemente derivam para uma teologia especulativa, em vez de permanecerem enraizados na revelação bíblica e rabínica.
Para aqueles que se dedicam à escatologia judaica, é fundamental distinguir entre os ensinamentos autênticos da Escritura e dos profetas e as camadas de abstração introduzidas por interpretações cabalísticas posteriores — como o Zohar e sua leitura sobre a “semente sagrada” — que são tão falhas quanto o nacionalismo cristão. O que é a verdadeira religião de Israel (a única mencionada no Novo Testamento) não é uma compreensão equivocada de “linhagens de sangue” ou de como entendemos genética hoje. Embora a Cabalá tenha desempenhado um papel importante no pensamento judaico, sua estrutura conceitual não deve ser confundida com as realidades mais concretas e reveladas encontradas na Torá e nos escritos proféticos.
O quadro interpretativo Pardes é um método hermenêutico judaico que classifica as abordagens de compreensão da Escritura em quatro níveis. O termo “Pardes” (פרדס) é um acrônimo de Peshat, Remez, Derash e Sod, e a palavra em si significa “pomar” ou “paraíso”, simbolizando a riqueza do estudo da Torá. Cada nível aprofunda progressivamente a leitura do texto:
1. Peshat (פשט) – A interpretação simples ou literal do texto. Foca no significado direto, na gramática e no contexto das palavras.
Exemplo: Ler “No princípio criou Deus os céus e a terra” como uma descrição direta da criação.
2. Remez (רמז) – O nível alegórico ou simbólico. Explora pistas ou alusões a verdades mais profundas embutidas no texto.
Exemplo: Encontrar padrões numéricos ou conceituais na Torá, como na gematria (os valores numéricos das letras hebraicas).
3. Derash (דרש) – O nível homilético ou interpretativo. Envolve extrair lições morais, éticas ou teológicas, geralmente por meio da interpretação midráshica (rabínica).
Exemplo: Interpretar a história de Adão e Eva como uma alegoria sobre o livre-arbítrio e a escolha moral humana.
4. Sod (סוד) – O nível secreto. É a dimensão esotérica, que lida com significados ocultos, mistérios divinos e aspectos “místicos” de Deus e da criação.
Exemplo: As interpretações cabalísticas da criação, como a ideia das Dez Sefirot (emanações divinas) que moldam o universo.
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