#1 Simpson e Tozer: A Santificação e Sua Leitura dos Místicos



Antes da Crise
A Presença de Deus e a Vida Mais Profunda



O teólogo e pregador medieval Meister Eckhart (1260?-1328) afirmava que Deus está totalmente presente no agora, e que o caminho para encontrá-Lo passa pelo abandono do eu — a entrega total à vontade divina. Essa doutrina de imediatidade divina e união com Cristo tornou-se o coração de uma tradição espiritual que atravessou séculos.

Eckhart via o ser humano como nada em si mesmo, mas chamado a participar do próprio Ser de Deus. Essa visão mística não era fuga do mundo, mas uma transformação interior que unia contemplação e ação — Maria e Marta — em uma única vida diante de Deus. Para ele, o homem justo vive na presença divina continuamente, pois Deus é o Ser, e toda a criação existe porque “Deus está nela”.

Essa corrente de pensamento passou adiante através do pietista alemão Gerhard Tersteegen e da mística francesa Madame Guyon, ambos fortemente marcados pela ideia do abandono (Gelassenheit ) de Eckhart — a entrega silenciosa e amorosa da alma nas mãos de Deus. Em Tersteegen, esse abandono tornou-se uma espiritualidade prática de oração e adoração; em Guyon, uma devoção que influenciou gerações de buscadores, inclusive dentro do protestantismo.

Foi por meio desse canal — Eckhart → Tersteegen → Guyon — que as ideias da presença contínua de Deus e da vida interior rendida chegaram ao mundo evangélico moderno. Contudo, A.B. Simpson, fundador da Aliança Cristã e Missionária, recebeu essa herança através de um olhar reformado e bíblico.

Simpson, profundamente calvinista, reinterpretou a união com Cristo não como êxtase místico, mas como realidade espiritual objetiva. Ele leu essa tradição pela ótica do puritano Walter Marshall, autor de The Gospel Mystery of Sanctification, que ensinava que a santificação flui da fé na obra completa de Cristo e da comunhão viva com Ele, e não do esforço moral ou de uma segunda bênção. Assim, Simpson conseguiu unir o coração contemplativo de Eckhart ao rigor doutrinário da Reforma.

Para A.W. Tozer, o mesmo fio espiritual tornou-se chama viva. Ele falava da presença manifesta de Deus como o centro da vida cristã e da santificação. Em A Busca de Deus, Tozer descreve a vida espiritual como um retorno constante à presença divina — a “vida mais profunda” em que o Espírito Santo realiza a união do crente com Cristo.

Tanto Simpson quanto Tozer não separaram contemplação e ação. Como Eckhart, viam Maria e Marta não como opostos, mas como expressões de uma única vida centrada em Cristo. A adoração leva ao serviço; a interioridade gera missão. Para eles, a vida santificada é Cristo vivendo no crente — “Cristo em vós, a esperança da glória”.

Desse modo, o fio espiritual que passa por Eckhart, Tersteegen, Guyon, Marshall, Simpson e Tozer mostra a continuidade de um mesmo chamado: viver no abandono confiante, na presença constante, e na união prática com Cristo. Essa é a verdadeira vida mais profunda — não uma experiência emocional ou isolada, mas a realidade contínua de Deus habitando em nós e nos movendo em amor.

Conclusão
O Evangelho Quádruplo (Fourfold Gospel) serve como meio de motivar o movimento da C&MA. Nele, o Credo dos Apóstolos se entrelaça com a Grande Comissão, a Ascensão e Pentecostes“Subiu ao céu, está assentado à direita de Deus Pai Todo-Poderoso. Há de vir para julgar os vivos e os mortos, e o seu Reino não terá fim.”
A Ascensão ratifica o Evangelho Quádruplo; Pentecostes define o seu curso; e o Credo nos recorda a comunidade.

Outra designação antiga, apropriada por Eusébio e ampliada por João Calvino, é o munus triplex — Jesus Cristo: Profeta, Sacerdote e Rei — que serve ao ἅπαξ (“uma vez por todas”) e talvez cure nosso individualismo errôneo. Além disso, o Tríplice Ofício não é uma cristologia, assim como o merismo do Evangelho Quádruplo de Simpson afirma: Jesus é o evangelho, cumprindo os ofícios do Antigo Testamento como o Ungido de Israel. (Bernie Vanderwalde)

O Evangelho Quádruplo aponta, portanto, para uma teologia da prática encarnacional, com propósito e futuro ainda em realização. Proponho que o Evangelho Quádruplo de Simpson permite que o Espírito se mova — como nenhum outro — sobre a teologia filosófica, talvez desenvolvendo-se a partir do uso triplo na escatologia de A.T. Pierson, situando esta era entre o papel sacerdotal e régio de Cristo, mas sem absolutizá-los, pois tais ofícios são eternos. Simpson agiu para essa era do Espírito Santo, entendendo a encarnação como o historicismo supremo, onde o Filho eterno encarnado agora está à direita do Pai, tendo prometido “alguém melhor”. Assim, “Creio no Espírito Santo” fala da terceira pessoa da Trindade, revelando Cristo como Salvador, Santificador, Curador e Senhor que virá, ensinando-nos justiça agora e preparando-nos para a realidade consumada quando Ele reinar na terra — e nós com Ele.

Em conclusão, o Catolicismo Romano representa a legitimidade de sofisticadas sínteses entre razão e fé, natureza e graça, secular e sagrado — mas tal síntese distorce as distinções da encarnação ao atualizar seu sacramentalismo dentro da suposta evolução humana e do progresso percebido. Por isso, um historicismo escatológico atento compreende eventos sociais e erros teológicos identificando empiricamente a proclamação, a obscuridade e a distorção do evangelho dentro de contextos prescritivos em nome da religião — mas que não descrevem o Cristo das Escrituras. A história da Igreja aponta para os primeiros cinco séculos como o período que mais articulou uma Cristologia centrada no humano e não apenas no divino. A Soteriologia, com um percurso mais longo desde a Reforma até hoje, continua sua formulação evasiva — a menos que seja toda sobre Jesus e o indivíduo, sem se desligar da comunidade da aliança. Tais problemas persistem na tradição ocidental.


E quanto à antiga fé e à boa prática eclesiástica? Descrições que exaltam Cristo permeiam toda a tradição cristã — sim. Mas olhemos ao redor e deixemos o avanço global do evangelho falar.

No final de Old Faith, A.B. Simpson escreveu: “Falemos a eles de Calvário e do sangue purificador, e isso será tão poderoso quanto quando o velho chefe da Groenlândia ouviu o missionário parar de pregar filosofia e contar-lhes a história do amor redentor. Falemos de um Cristo vivo, do Espírito Santo e do milagre da conversão — e o Espírito Santo tornará isso verdadeiro nos corações dos ouvintes. Falemos da vinda pessoal do Senhor Jesus, e seus corações responderão à mensagem divina e se curvarão ao Rei dos reis e Senhor dos senhores. Amados, os fundamentos estão sendo destruídos. Que farão os justos? Corram às brechas; tornem-se reparadores de brechas, restauradores de veredas para habitar. Permaneçam nos caminhos antigos, no bom caminho. Sejam os sábios construtores cujo trabalho permanecerá quando a madeira, o feno e a palha de todo o nosso modernismo se desintegrarem nas chamas de um mundo que se dissolve.

O famoso sermão de Eckhart sobre Maria e Marta descreve a união com Cristo de A. B. Simpson e A. W. Tozer — o ápice que transcende a dicotomia entre o secular e o sagrado, como se vê em The Pursuit of God (A Busca de Deus). A prática contemplativa de Tozer e Simpson ressoa dentro da C&MA pela leitura de fontes católicas.


Mesmo assim, ambos os patriarcas praticaram a presença de Deus por meio da leitura de autores místicos e compreenderam a tensão entre a vita contemplativa e a vita activa. Tomás de Aquino afirma que a vida contemplativa vem primeiro: “Maria escolheu a melhor parte.” Assim fizeram Tozer e Simpson. A vida ativa segue a contemplação.


Contudo, Eckhart reinterpretou essa visita a Betânia em direção à vita activa, mantendo ambas unificadas no eterno agora. Tal posição provocou a mente medieval coletiva e preparou o terreno para o indivíduo moderno — por isso, podemos considerá-lo outro dos “culpados.” O Sermão 86 é uma leitura densa, em que as digressões de Eckhart revelam seu ponto subversivo: só Deus satisfaz o ser humano, tanto no nível sensível quanto no intelectual. Ambos são dons divinos, embora não iguais. No entanto, os prazeres sensuais do conforto, da alegria e da satisfação escapam aos verdadeiros amigos de Deus.


Como a “angustiada” Marta foi chamada à atenção, também nós podemos elevar-nos resolutamente acima de tais respostas emocionais. Entre os altos e baixos da vida, Eckhart quer que seus ouvintes se identifiquem com um dos polos — o sentido ou o intelecto/mente — representados por uma das irmãs, de preferência Marta, vivendo contente em um mundo turbulento. Seja qual for a exigência do momento, através dos sentidos e do intelecto, ela permanece igualmente em casa no círculo da eternidade.


Marta já está lá — vivendo no tempo, encarnada e ativa — ao ver Deus sem necessidade de uma visão de Seu ser ou essência, algo que a tradição católica construiu como a experiência suprema do pós-vida: a visão beatífica. O misticismo racional de Simpson se alinha com isso e talvez já o tenha antecipado; em sua experiência, conhecimento e ação fundem-se com os afetos, brotando da tradição mística paulino-agostiniana. Aqui, a cabeça e a mão funcionam a partir do coração, conectado ao Mestre.




O método interpretativo Batin (esotérico ou oculto) no Judaísmo refere-se às interpretações mais profundas da Torá e de outros textos sagrados, frequentemente associadas à Cabalá e a outras tradições espirituais dentro do Judaísmo. Esse método busca desvendar significados ocultos além do nível superficial da Escritura, conectando o texto a mistérios divinos, verdades cósmicas e ao desenvolvimento espiritual pessoal.


A “Cabalá”, em sua forma atual — especialmente nas tradições luriânica e hassídica — foi moldada por influências históricas e filosóficas que podem não refletir plenamente as compreensões judaicas mais antigas sobre revelação e realidade divina. O próprio termo, que significa “tradição recebida”, sugere uma tentativa de preservar e interpretar percepções teológicas mais profundas; contudo, seus desdobramentos posteriores frequentemente derivam para uma teologia especulativa, em vez de permanecerem enraizados na revelação bíblica e rabínica.


Para aqueles que se dedicam à escatologia judaica, é fundamental distinguir entre os ensinamentos autênticos da Escritura e dos profetas e as camadas de abstração introduzidas por interpretações cabalísticas posteriores — como o Zohar e sua leitura sobre a “semente sagrada” — que são tão falhas quanto o nacionalismo cristão. O que é a verdadeira religião de Israel (a única mencionada no Novo Testamento) não é uma compreensão equivocada de “linhagens de sangue” ou de como entendemos genética hoje. Embora a Cabalá tenha desempenhado um papel importante no pensamento judaico, sua estrutura conceitual não deve ser confundida com as realidades mais concretas e reveladas encontradas na Torá e nos escritos proféticos.


O quadro interpretativo Pardes é um método hermenêutico judaico que classifica as abordagens de compreensão da Escritura em quatro níveis. O termo “Pardes” (פרדס) é um acrônimo de Peshat, Remez, Derash e Sod, e a palavra em si significa “pomar” ou “paraíso”, simbolizando a riqueza do estudo da Torá. Cada nível aprofunda progressivamente a leitura do texto:


1. Peshat (פשט) – A interpretação simples ou literal do texto. Foca no significado direto, na gramática e no contexto das palavras.

Exemplo: Ler “No princípio criou Deus os céus e a terra” como uma descrição direta da criação.


2. Remez (רמז) – O nível alegórico ou simbólico. Explora pistas ou alusões a verdades mais profundas embutidas no texto.

Exemplo: Encontrar padrões numéricos ou conceituais na Torá, como na gematria (os valores numéricos das letras hebraicas).


3. Derash (דרש) – O nível homilético ou interpretativo. Envolve extrair lições morais, éticas ou teológicas, geralmente por meio da interpretação midráshica (rabínica).

Exemplo: Interpretar a história de Adão e Eva como uma alegoria sobre o livre-arbítrio e a escolha moral humana.


4. Sod (סוד) – O nível secreto. É a dimensão esotérica, que lida com significados ocultos, mistérios divinos e aspectos “místicos” de Deus e da criação.

Exemplo: As interpretações cabalísticas da criação, como a ideia das Dez Sefirot (emanações divinas) que moldam o universo.


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